Dia 24 desse mês a Santa Casa de Misericórdia completou 360 anos sendo a instituição de saúde mais antiga do Pará. Uma maternidade cuja história se confunde com a própria história de Belém.
Lugar onde mães deram à luz a milhares de paraeses, dentre os quais, autoridades, artistas, intelectuais, homens e mulheres do povo. Dizem que a Fafá de Belém nasceu lá, assim como o próprio ex-governador Almir Gabriel. Um hospital que é também um símbolo da saúde pública no Pará e no Brasil. Recentemente, em 2008, a maternidade teve seu nome associado a um crise envolvendo a morte de bebês. Das muitas história que poderiam ser contadas dessa tão antiga instituição, contarei uma que retoma essa época.
Nessa história, além da Santa Casa, mais dois personagens estão envolvidos: um grupo de comunicação muito conhecido na capital paraense que escreve um jornal diário que, por razões óbvias, chamarei apenas de "Grande Jornal Livre" ou JL e empresários de saúde também muito conhecidos.
Os empresários de saúde têm uma enorme empresa que em 2007 fatorou 200 milhões de dólares vendendo planos de Saúde. Isso mesmo, não são reais. Foram 200 milhões de dólares vendendo aquilo que a constituição nos assegura como direito. Esses empresários têm dificuldades com governos que investem em saúde. As vendas caem! Quanto mais segurança as pessoas tiverem em instituições públicas menos elas compram planos de saúde. A concorrência já é desleal. A saúde pública é de graça e se for de qualidade, quem pagaria um plano de saúde?
Mas as pessoas não estão todos os dias em Hospitais, adoecem vez ou outra, acompanham parentes, mas em média os freqüentam pouco. E quem lhes informa sobre a qualidade do sistema público de saúde? E sobre possíveis investimentos ou mudanças de paradigma que porventura ocorreriam com mudanças de governo? Quem lhes diz o que esperar caso adoecerem e precisarem de um hospital? Esse papel é da mídia. Ela informa, noticia, atualiza.
Em nosso caso, o JL, assim como os empresários, também acumula desafetos com mudanças de paradigmas no governo. Perderam regalias, perderam caixa que historicamente mantiveram em governos conservadores. Além disso, nada ganham com um sistema público de saúde. Perdem anúncios. Ganham, mesmo, público e dinheiro com notícias que chocam, notícias que vendem. São fortes candidatas: as mortes, os assaltos, as calamidades públicas, enfim, a bendita desgraça alheia.
Os empresários planos de saúde e redes de hospitais ganham mais e mais dólares com uma antiga fórmula. Uma fórmula que funcionou bem no Brasil desde 1990 mas que atualmente está em crise. É uma formula fatalística de todos os setores da economia que atuam em áreas substituindo o Estado, áreas como saúde, transporte, energia elétrica. O que fazem? Exploram as contradições do sistema público, associam a imagem das instituições públicas à lentidão, à incompetência, à pobreza extrema, à morte. O público são filas, são distratos, faltam médicos, faltam materiais, faltam profissionais, enquanto o particular é o trato fino, o ar condicionado, a eficiência, a tecnologia.
Os governos chamados neoliberais surfaram nessa lógica. Conciliaram a forte presença dessas empresas na opinião pública e promoveram um desmonte do sistema público de serviços essenciais como a saúde. Privatizaram, sucatearam, desorganizaram e atacaram de todas as formas os serviços públicos. A lógica era deixar o mercado tomar conta. Quem ganha mais de um salário mínimo tem um plano de saúde e há um plano ajustado a todos os níveis de renda. Tem o plano de uma consulta por mês, o plano com direito a helicóptero, o plano com enfarmaria, o plano com apartamento, o plano com direito a tudo, o plano com o essêncial. E a saúde pública? E os impostos que todos pagamos?
Essa história é antiga, muitos de vocês já conhecem. Mas e o que a Santa Casa de Misericórdia tem a ver com isso?
Em 2008 foram meses de ataques contra a nossa pobre Santa Casa. Mortes de bebês e fatos tristes da vida foram noticiadas sem dó nem pudor com as pobres mães que sofriam, com os familiares, com os médicos que trabalhavam para socorrer os bebês, com as enfermeiras, com os funcionários do hospital. Notícias sensacionalistas, exagenrando a suposta culpa da instituição, tentando atingir o governo e a governandora, tentando provocar uma repercussão política.
Nesse mesmo ano, os lucros de vendas do plano estavam em franca decadência. O grupo que detém o JL perdia 461 mil reais por mês e o desconto foi dado na pobre população que depende da saúde pública para viver, para dar à luz e nas pessoas que cotidianamente se esforçam para garantir um sistema de saúde digno para essa população.
Lendo notícias dessa época, encontrei no jornal palavras como "matadouro", "chacina", "carnificina", "maternidade dos pobres", "açougue".
Veja a imagem dessa manchete da época:
Quem iria querer ter um bebê na UTI da morte?
Quem iria querer depender de uma saúde pública fracassada?
Mas o pior veio depois. A maternidade atende casos graves de todo estado do Pará, crianças com pouca ou nenhuma chance de sobrevivência. Em meio à "crise", o respeitável jornalista Lúcio Flávio Pinto escreveu sobre o quadro clínico de 12 bebês que haviam morrido em três dias:
"Todos os 12 primeiros bebês mortos em três dias pesavam menos de 2,5 quilos, o que significa já estarem em condição de risco, sete dos quais prematuros (e quatro prematuros extremos). Dois dos bebês pesavam menos de um quilo. Dois eram gêmeos xifópagos (compartilhando o mesmo corpo). Outro, embora vítima de gastrosquise, que provoca exposição das vísceras, veio do interior do Estado de ônibus. Todos apresentavam má formação de órgãos (coração, pulmão e aparelho digestivo) ou infecção adquirida ainda no útero da mãe. Trinta por cento das mães eram adolescentes. Nenhuma delas fez pré-natal. Uma tinha apenas 12 anos de idade."
E leia a notícia dada pelo JL:
"Doze recém-nascidos morreram no último final de semana na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, a maioria estava na UTI e outros no berçário. A denúncia foi feita pelo Sindicato dos Médicos do Pará (Sindimepa) a partir de relatos de profissionais que trabalham no hospital e temem ser responsabilizados pelas mortes, cuja causa provável foi infecção hospitalar.
Segundo os funcionários da instituição, são comuns situações de risco para os bebês internados, como superlotação e falta de equipamentos. Em alguns casos, até respiradores são divididos entre os bebês.
É só ler e comparar. Quem está mentindo afinal? Lúcio Flávio, um jornalista respeitado, crítico do Governo do Estado e perseguido pelo grupo dono do JL ou o próprio JL. Esse jornal recebe a publicidade e sabe-se lá qual outro "acordo" desses empresários de saúde e ganha muito com esse tipo de notícia.
O final da história.
- A Santa Casa de Misericórdia completou 360 anos, foi reformada, ampliada, recebeu novos leitos e tem um novo prédio que vai ser inaugurado. Ganhou um memorial que resgistra sua verdadeira história de mais de 3 séculos salvando vidas e oferencendo aos paraenses uma saúde pública digna e de qualidade;
- Os empresários sofreram uma queda de mais de 20% em seus lucros e estão em franca decadência;
- O JL fica para a segunda parte do drama. Aquela parte em que o velho não quer morrer e o novo precisa nascer.
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